Prada e os Kolhapuri: quando o luxo se esquece das suas raízes
A moda vive de inspiração, mas o limite entre homenagem e apropriação cultural volta a ser posto à prova. A Prada viu-se envolvida numa polémica após apresentar, durante a última edição da Milan Fashion Week, umas sandálias masculinas de couro que em tudo se assemelham aos tradicionais Kolhapuri chappals — calçado artesanal típico da região de Maharashtra, na Índia, produzido há séculos por artesãos locais.
Estas sandálias, vendidas nos mercados indianos por cerca de 10 euros, foram reinterpretadas pela maison italiana e apresentadas como um novo modelo de luxo, sem qualquer referência à sua origem. O detalhe não passou despercebido, sobretudo porque os Kolhapuri têm proteção de Indicação Geográfica (GI) desde 2019, o que reconhece oficialmente a sua importância cultural e o seu valor patrimonial.
A reação na Índia foi imediata. Políticos, artesãos e consumidores acusaram a marca de apropriação cultural e de omitir a história por trás do design. A indignação chegou às redes sociais, onde muitos classificaram a iniciativa como um exemplo flagrante de “roubo à luz do dia”. Representantes da região ponderam agora avançar com medidas legais, e a Câmara de Comércio de Maharashtra já se pronunciou sobre o que considera um abuso do sistema de propriedade cultural.
Confrontada com as críticas, a Prada respondeu. Lorenzo Bertelli, diretor de responsabilidade social do grupo, reconheceu que o modelo foi “inspirado” nos Kolhapuri, sublinhando que a coleção ainda está em desenvolvimento e poderá não seguir para produção. O responsável mostrou também abertura para dialogar com os artesãos locais, algo que poderá transformar este episódio num ponto de partida para um entendimento mais profundo entre moda global e herança artesanal.
No entanto, para muitos dos que vivem da produção manual destes sapatos, alguns há gerações, o reconhecimento não pode ser apenas simbólico. A apropriação, quando feita sem contexto nem partilha de valor, perpetua uma lógica desigual entre as grandes marcas e os pequenos produtores. Suraj Satpute, um dos artesãos de Kolhapur, resumiu bem o sentimento: “Ser mencionado já é algo, mas sermos incluídos é o verdadeiro respeito.”
Na Ritmo Urbano, onde celebramos o estilo com consciência, acreditamos que moda de impacto é moda com história, com ética e com coragem para ouvir. Este episódio com a Prada é um lembrete valioso: a beleza está nas mãos de quem a faz, e merece ser reconhecida por isso.